segunda-feira, 28 de julho de 2008

Parto: tocando em frente o milagra da vida


Escrevi este texto em 13 de Junho de 2005 após fazer um curso
de humanização de parto. Na época ainda não tinha a Júlia nem
estava grávida, mas já me empenhava em aprender o máximo
sobre o parto e suas faces. O texto é longo!!!

Introdução

A reflexão a seguir é uma breve síntese da minha vivência com
um pequeno grupo de pessoas que se reuniram a fim de aprender
e/ou passar conhecimentos sobre a humanização do parto com
consciência. Os encontros ocorreram em dois fins de semana, nos
quais foram apresentados argumentos e reflexões sobre o ato de
dar à luz da forma mais natural e consciente possível. Mais do que
uma abordagem de técnicas e procedimentos, conversou-se sobre
a necessidade da mulher conhecer seu próprio corpo, seu tempo,
seus desejos, anseios, limitações – um olhar para dentro de si
mesma. Além disso, foi abordado a questão da passagem para uma
nova fase da vida – de ser mãe - uma nova abordagem de corpo e
alma.
Vale ressaltar que este trabalho é teórico, fruto de uma reflexão
embasada em informações, depoimentos e observações, uma vez
que ainda não tive o privilégio de parir.
Para expressar o meu olhar para o curso, escolhi uma música,
abaixo transcrita, e a partir dela, farei breves reflexões. A música:
Tocando em Frente
Composição: Almir Sater e Renato Teixeira

Ando devagar porque já tive pressa
e levo esse sorriso, porque já chorei demais.
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
eu só levo a certeza de que muito pouco eu sei, eu nada sei.

Conhecer as manhas e as manhãs,
o sabor das massas e das maçãs,
é preciso amor pra poder pulsar,
é preciso paz pra poder sorrir,
é preciso a chuva para florir.

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
compreender a marcha, e ir tocando em frente
como um velho boiadeiro levando a boiada,
eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou,
da estrada eu sou.

Todo mundo ama um dia, todo mundo chora,
Um dia a gente chega, no outro vai embora
Cada um de nós compõe a sua história,
e cada ser em si, carrega o dom de ser capaz,
e ser feliz



A Reflexão

“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso,
porque já chorei demais.”


A vida passa ligeiramente – voa – transcede a percepção da gente
e, muitas vezes, demoramos a nos dar conta disso. Tudo é pressa,
é correria, é relatório, prestar contas, pagar contas, olhar a hora,
marcar a hora, correr atrás da hora. Mas, e viver? E observar os
detalhes da vida, apreciar a beleza, se surpreender com a cor,
inalar os cheiros, sentir os sabores? E as vivências, os milagres,
os partos? Para isso é preciso parar! Pára, então! É preciso tempo,
disposição, sensibilidade! É preciso, muitas vezes, andar devagar,
não ter pressa, e, assim, poder ver a vida... e sorrir. Não que
estejam ausente motivos para chorar, mas é preciso sorrir
depois do choro. De alguma forma a gente aprende que existe uma
necessidade inerente ao ser humano de parar de correr e
simplesmente viver. Esse aprendizado, por vezes (e na maioria das
vezes) vem pela dor. E depois de muito chorar a gente aprende,
diminui o ritmo, olha para a vida – dom deDeus – e sorrimos, pois
há beleza nela, e a harmonia, junto com o belo,auxilia no processo
curativo e traz o sorriso.

“Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, eu só
levo a certeza
de que muito pouco eu sei, eu nada sei.”

Quando paramos, temos o privilégio de olhar para dentro de nós
mesmos e o auto-conhecimento é imprescindível na caminhada
humana. Uma vez que compreendemos como se dá o processo
de construção de nossos valores, crenças e ser, entendemos porque
somos assim e não daquele outro jeito. Então nos sentimos mais
fortes e confiantes, pois sabemos até onde podemos chegar e
quais nossas limitações. Enxergamos os aspectos que precisam
ser mudados – e mudança não é fraqueza, é força!
Perceber que é preciso mudar é um grande passo para o
crescimento e fortalecimento do indivíduo. É um aprendizado!
E, num movimento dialético, quanto mais aprendemos, mais
compreendemos o quanto ainda há para aprender.
Conhecemos nosso corpo, seu funcionamento, seus limites.....até a
hora em que se dá conta de que existe outro ser sendo gerado
dentro de nós. E então? Muito do que se achava conhecido se
transforma em “eu nada sei” e as certezas vão dando espaço a
experiências novas, sensações inéditas e metabolismos
desconhecidos. Mas isso eu ainda não sei!

“Conhecer as manhas e as manhãs, o sabor das massas
e das maçãs,”


Nem tudo é o que parece ser, diz o ditado popular.
Manhas x manhãs: palavras com escrita e sonoridade
semelhantes, significados nadaparecidos. Assim é a vida.
Muitas vezes nos deixamos levar pelas aparências, pelos
paradigmas, pelos conceitos já formados. E com
isso atrofiamos nosso senso crítico, analítico e curioso. É preciso
pesquisar e questionar antes de se submeter. No parto funciona
da mesma forma. Técnicas, procedimentos, rotinas...é manha ou
manhã?
A mulher que se prepara para dar a luz precisa estar inteirada
daquilo que ocorre com o seu corpo e o que virá depois, não se
submetendo cegamente às proposições dos médicos como
detentores da sabedoria. Precisa estar ciente de que nem tudo
o que se diz “necessário”, o é. A mulher precisa sentir o “sabor
das massas e das maçãs”, sentir o que o seu corpo pede, conhecer
os procedimentos e identificar o que é cada coisa, sua função,
implicação, prós e contras.


“É preciso amor pra poder pulsar, é preciso paz pra poder
sorrir, é preciso a chuva para florir.”


Dar à luz é um momento singular, especial, ímpar na vida de uma
mulher, seja do primeiro, segundo, décimo filho – é único.
Entretanto a banalidade da vida tem roubado a beleza e a
sensibilidade de muitas delas fazendo com que o período da
gestação e parto sejam apenas processos fisiológicos sem os quais
não seria possível gerar um filho. O momento de parir deveria ser
apenas uma continuação daquilo já iniciado anteriormente – o ato
de amar. A vida pulsa dentro de cada ser, e o ser faz mais sentido
quando é fruto do amor. A concepção, a gestação e o parto devem
ser embebidos por sentimentos ternos, fraternos, harmônicos – o
que não implica ser irracional ou só emocional.

O parto, geralmente, é um momento de grande aflição, pois traz
consigo a insegurança, a dúvida, o medo. Medo de doer, de não
dar certo, de não ser como o esperado, da criança não estar bem,
de não conseguir ser uma boa mãe, de não se gostar mais, de não
gostarem mais dela, da vida nova, das rotinas quebradas, da
atenção dividida, da responsabilidade... da morte! “É preciso paz
pra poder sorrir”, não um sorriso demagogo, forçado, aparente.
Mas um sorriso consciente, feliz, ardente. Um sorriso que não inibe
o berro, que não engole as lágrimas da dor, que não mascara a
ansiedade, mas que mostra, apesar de tudo, que existe paz. Uma
paz divina, colocada pelo próprio Criador, que nos dá a certeza de
que Ele está no controle de tudo, inclusive da nossa natureza, pois
foi Ele – o Deus Soberano - que tudo fez perfeito e nos capacitou
para parir. Ele fez a nossa estrutura nos mínimos detalhes, como
um sistema complexo, no qual cada órgão sabe o que fazer, na hora
e da forma certa. Exceções acontecem, porém, o próprio nome já diz
– é uma exceção. E para esses casos também já existe solução. Então,
só nos resta ter paz.
Paz não implica ausência de dor, de medo, de incerteza, contudo ela
nos habilita a superar esses momentos. Vale lembrar que tais
momentos são necessários para o nosso aprendizado, maturidade
e crescimento. – “ é preciso a chuva para florir”. A conscientização
da mulher em relação ao seu parto é que fará a diferença ao enfrentar
cada tempestade.

“Penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender
a marcha, e ir tocando em frente como um velho boiadeiro
levando a boiada, eu vou tocando os dias pela longa estrada
eu vou, da estrada eu sou.”


O parto, especialmente em nossa sociedade, deixou de ser algo
natural, inerente ao ser humano e deu lugar à sistematização.
É preciso voltar a olhar o ato de parir como um estágio simples–
embora tão complexo – na perpetuação da espécie.
Parir é tocar em frente o milagre da vida!
É passar adiante uma parte de nós. A mulher carrega em si o privilégio
garantir que outras gerações virão.
O parto é um momento especial, mas é da vida - a continuação dela.
Engravidar é normal, ou melhor, natural. Sendo assim, o parto deve
seguir o mesmo princípio da naturalidade, com o mínimo de
intervenção, num ambiente aconchegante, com pessoas amadas
por perto e da forma como estiver mais à vontade. As rotinas
hospitalares transformaram o parto num processo frio, impessoal,
muitas vezes até mesmo traumatizante. A ganância e o comodismo
faz com que a maioria dos médicos e/ou enfermeiras interfiram
neste “tocar a vida” e acabam por impor métodos não naturais,
inconvenientes, desnecessário, roubando a beleza de ver a “boiada
seguir pela longa estrada”, seguindo seu curso natural.


“Um dia a gente chega, no outro vai embora”

A fugacidade da vida: ela é breve. Um dia a gente chega e em
pouco tempo, 4, 20, 50, 80 ou até 100 anos, vai embora. E o que
são 100 anos perto da eternidade? Por isso, importa tanto a
maneira como se chega e como se vai embora desta vida.
A forma como um ser humano vem a este mundo (quando está no
ventre da mãe é um outro mundo), não fica perdida no tempo e
no espaço. Ele trás consigo, embora superável, marcas de suas
primeiras horas como ser independente da mãe. Independente
em termos, é claro! Enquanto habita na quietude molhada na
barriga da mãe, o bebê não tem idéia do que o espera do outro
lado do “buraco” (seja a dilatação na vagina ou o corte da cesariana,
ambos representam passagem).

Quando o nenêm tem o privilégio de passar por um trabalho de
parto, ele é preparado, anunciado, chamado para este lado de fora.
Mesmo sem saber, ele passa por processos que o ajudam a entrar
nesse novo mundo. Quando a mulher é submetida a uma cesária,
caso entre em trabalho de parto, o bebê não é pego de surpresa,
embora não passe por todos os passos do nascer. Alguns mecanismos,
tão importante para o seu desenvolvimento, são deixados para trás.
Contudo, quando é feita uma cesariana eletiva, a criança é arrancada
totalmente despreparada para adentrar nesse mundo. Muitas vezes
está dormindo, curtindo a falta da gravidade em que se encontra. Ou
brincando com a mãozinha, o pezinho, curtindo aquele ambiente que
é seu, até que... “o que é isso? Que luz é essa, de quem é essa mão, o
que está acontecendo?” Sem nenhum aviso prévio, corta-se a barriga
da mãe e uma coisinha miúda, frágil, singela é tirada de seu ninho
acolhedor. Mas a forma como se nasce não é violada apenas na
escolha do parto. Os primeiros minutos de vida do bebê são de
extrema relevância em sua vida. Ao sair da barriga da mãe ele
encontra um mundo novo e estranho, sendo que a única coisa familiar
é a voz da dela. Por isso, é imprescindível que, ao nascer, ele possa
ser colocado diretamente no colo da única pessoa que ele teve
contato desde que começou a ser formado e que já o ama - sua mãe.
Chegar bem não é garantia de viver bem o resto da vida, mas chegar
mal pode trazer seqüelas. Mais uma vez as rotinas pelas quais o
bebê passa devem ser revistas e avaliadas. E muitas delas devem
ser negadas.

“Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser em si,
carrega o dom de ser capaz, e ser feliz.”


Esta frase dispensaria maiores comentário, fala por si só.
Entretanto, nunca é demais pensar um pouco além do que está
dito, não é mesmo? A mulher é agente ativa em seu parto. Ela faz
a história de seu parto. Ela e o bebê, é claro. Não podemos, nem
queremos, fechar os olhos para os imprevistos, os incidentes, as
surpresas não desejadas, é lógico. Mas até para isso a mulher
deve se preparar e deixar fazer parte de sua história.

Cada mulher carrega em si o dom de ser capaz, capaz de parir.
Dom divino, dado pelo próprio Criador desta “máquina” perfeita
que é o corpo humano. Cabe a cada uma se conscientizar disto
e procurar os meios pelos quais a possibilitarão ter parto feliz –
seja normal, natural, vaginal, de cócoras ou até mesmo a cesariana.
Seja qual for, que seja consciente e que seja feliz. Parto feliz não é
um parto sem dor ou sem intervenção. Parto feliz é aquele que foi
sonhado, planejado, discutido e realizado até o limite das possibilidades.

No Brasil, ter um parto humanizado e consciente, exatamente
como desejamos e sonhamos durante toda a gravidez (e até mesmo
antes dela) é privilégio de poucas, pois não muitas grávidas se
despertam para a necessidade de se preparar para este momento.
Algumas estão satisfeitas com uma cesária eletiva, mas não
conhecem as implicações da mesma, ou apenas não querem sentir
dor. Outras centralizam sua atenção em preparar lindos enxovais
e gastam todo o tempo e dinheiro em deixar o quarto bonito para
o bebê que vai chegar – não importa como. É fato que o senso
comum trás idéias que desvalorizam o parto natural e colocam
medos que vão além da dor (“e se o cordão estiver enrolado no
pescoço?”). Até nas camadas mais desprivilegiadas, a cesariana
é vista como parto de quem tem “condições” e quem acaba por
parir naturalmente é porque não teve outra opção.

Contudo, não podemos nos limitar a esses fatores, pois nem todos
os problemas provêm da falta de consciência. Se fosse...seria bem
menos difícil de conseguir uma revolução nos índices de cesarianas
e intervenções desnecessárias. A verdade é que estamos inseridas
num sistema fechado, frio, egoísta, normatizador, cheio de regras e
mitos hospitalares. Ter voz ativa diante de médicos e enfermeiros, salvo raríssimas exceções, implica expor a si mesma a situações que cansam, desgastam,
frustram, inibem, ao ponto de se entregar passivamente nas
mãos dos profissionais da saúde. Informações são indispensáveis,
contudo, a mulher que deseja dar à luz da forma mais natural
possível precisa se conhecer, se conscientizar e se preparar para
fazer a sua história e, concomitantemente, a história de seu bebê
e de sua família.

A história de cada uma não começa nem termina no parto. Ele é
apenas uma parada nas muitas estações existentes ao longo do trilho
da vida. É preciso estar consciente de quem você é, do que quer e
como vai fazer para chegar lá, e isso em todos os momentos da vida.
A chegada de uma criança representa a vinda de um novo ser, uma
nova pessoa na família e que para sempre estará presente. Presente
– é assim que ela deve ser vista, um presente de Deus.

O foco principal não deve estar no parto em si, como uma conquista
individual, pessoal e, por vezes egoísta – “eu consigo, eu posso, eu sou
mais eu!”. Mas representa uma vitória como mulher, como ser, como
mãe, como alguém que sofre a dor (que por vezes faz até delirar de tão
grande que pode ser). Mas é a dor que traz esperança, traz renovação.
É a dor que precede um dos grandes milagres de Deus – o milagre da vida.

* Trabalho de conclusão do Curso de Humanização de Marco de 2005 (São Paulo SP)

Toque

toque Música dançante ou uma linda melodia clássica. Pode ser também o tradicional trin-trin ou qualquer outro som estridente. Assim é o toque do nosso celular e basta ele tocar para que o som entre pelos nossos ouvidos ativando cada parte do nosso sistema nervoso causando um impulso incontrolável de atendê-lo. Não há quem resista ao toque do celular. “Eu preciso atender.”

Não precisa saber quem é, nem o motivo da ligação. Muitas vezes é engano, mas não importa: eu preciso atender. O Toque do celular tem esse poder arrebatador de nos tirar do lugar em que estamos a fim de ir ao encontro dele. Ele nos move!!

Entretanto, o poder motivador do toque não se restringe ao celular. Qualquer pessoa é sensível ao toque e responde de algum jeito, mesmo que de forma imperceptível a quem a tocou.

Um esbarrão, um encostar de ombros no ônibus lotado, o aperto de mão, a batida de leve nas costas... isso também é toque!

Como o toque faz falta nos nossos dias tão corridos, tão cálidos, tão sozinhos. Não esse indesejável ou inesperado toque, que passa tão despercebido, automático.

Eu falo de um toque que,assim como o do celular, nos move, nos tira do lugar em que estamos e nos faz querer ir ao encontro do outro num caráter de urgência, irresistível.

Eu falo de um aperto sincero de mão que transmite calor e segurança, de um olhar atencioso que busca no fundo de nosso ser como realmente estamos. É o afago no rosto, o cafuné descompromissado, um beijo amigo que estala na nossa bochecha ao invés de se perder no ar. O que dizer de um abraço gostoso e apertado, que muitas vezes nos tira o fôlego e nos faz sentir amado? Há tantas palavras não ditas escondidas nas entrelinhas do toque.

Tocar é dizer: eu estou aqui e me importo com você! O toque nos lembra que não estamos sozinhos. É um gesto que sempre implica troca. Quem toca e quem é tocado dão e recebem, mesmo sem querer! Mas o bom mesmo é que se queira!

Poucos são os que têm o dom da música e a habilidade de produzir um toque melodioso que embala nossos ouvidos. Mas todos, sem exceção, temos o dom de sermos sensíveis ao outro e produzir um toque espontâneo e intencional que traz alegria a alma e embala nossos corações.

Rachel M.C. Oliveira